O Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil existe desde 1998. Formado por trabalhadoras domésticas, as atrizes – cada uma de um estado brasileiro – chamam-se MARIA. Já produziram 4 peças de Teatro-Fórum.
Se apresentaram até no Congresso Nacional – na ocasião levaram abaixo
assinado para que o FGTS seja um direito das domésticas. Em 2008
ganharam o prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa, concedido pelo Ministério da Cultura.
Essas
mulheres, mães, tias, avós, bisavós, filhas, além de empregadas
domésticas são atrizes, ou seja, atuam nos palcos e na vida. Na última
quarta-feira, 11 de abril, elas receberam, na sede do Centro de Teatro
do Oprimido – CTO, a consagrada atriz Taís Araújo que interpretará uma
trabalhadora doméstica na próxima novela das sete da TV Globo, “Cheias
de Charme”. Assim como as Marias do Brasil, na trama a personagem, Maria da Penha, será também uma artista.
Taís passou o dia inteiro entrevistando as Marias do Brasil para o programa jornalístico Fantástico, da TV Globo. A entrevista será exibida no próximo domingo, 15/04, no quadro Repórter por Um Dia.
Sobre as Marias,
em entrevista concedida para o CTO, Taís lamentou que o grupo esteja
sem patrocínio. Neste bate papo exclusivo, a atriz falou ainda sobre
preconceito racial, sua visão do trabalho doméstico no Brasil e revelou
que gostaria de conhecer mais o Teatro do Oprimido.
Outra
atriz que também nos concedeu entrevista foi Maria Izabel Lourenço.
Natural de Campos dos Goytacazes, interior do Estado do RJ, Maria Izabel
trabalha há 15 anos como empregada doméstica e a 4 faz parte do Grupo Marias do Brasil.
A conversa aconteceu por telefone, pois Maria Izabel estava no
trabalho e segundo ela, só seria possível falar estando sozinha na casa
dos patrões. “Se tivesse alguém aqui certamente iriam reclamar”,
afirmou. Entre seus maiores desejos, sonha com todos os direitos
trabalhistas assegurados para todas as trabalhadoras domésticas. A
integra das duas entrevistas segue abaixo.
*
CTO
– No Brasil, o trabalho das empregadas domésticas está relacionado à
função que as mucamas (escravas domésticas) desempenhavam. Alguns
estudos indicam que as injustiças sofridas pelas trabalhadoras desse
setor se devem a isso. No s eu
trabalho de atriz, você interpretou uma mucama, a escrava Xica da Silva
– a qual foi protagonista da novela homônima - e agora vai realizar o
papel de uma trabalhadora doméstica - também como uma das três
protagonistas da trama. Como percebe essa relação entre a função
realizada pelas trabalhadoras domésticas co m o antigo trabalho das mucamas? Acha que é ainda um trabalho escravo?
Tais Araújo -
Primeiro que tem uma grande diferença. Pois as trabalhadoras domésticas
recebem salário. Com relação ao trabalho escravo, isso depende muito da
casa onde a pessoa vai trabalhar, depende dos patrões. Sei que há
muitos casos em que as empregadas recebem apenas casa e comida,
principalmente no interior. Nos centros urbanos eu acredito que essa
relação já está bem melhor. Eu posso falar da minha relação com essas
profissionais: lá em casa a relação com a babá e com a outra pessoa que
trabalha lá é a melhor possível. São ótimas pessoas e ótimas
profissionais.
CTO
– Em entrevista a revista TPM (edição dezembro de 2011) você declarou
que quando estudou num determinado Colégio Particular, algumas pessoas
perguntavam se a patroa da sua mãe era quem pagava a mensalidade. O que
acha desse tipo de pergunta? Necessariamente estava implícito que sua
mãe era uma empregada doméstica por você ser uma aluna negra?
T.A
– A Gente vive num país muito preconceituoso, né! Teve um episódio
engraçado dias desses no condomínio onde minha mãe mora. Ela foi fazer
faxina na casa dela e colocou umas roupas mais simples, roupas de fazer
faxina. Então EStava ela com balde na mãe, escova… aí alguém tocou a
campainha, olhou para ela e falou “a patroa estar?”. Minha mãe virou e
disse: “A patroa sou eu, pois não.”
CTO
– Voltando a falar sobre a novela, você fará uma trabalhadora doméstica
que se transformará numa artista da música. Já sabe como será
reviravolta da personagem. Ela abandonará a carreira de trabalhadora
doméstica?
T.A
– A Penha (Maria da Penha) minha personagem é muito guerreira. Ela não
vai abandonar a carreira de empregada doméstica não. Ela gosta do que
faz, gosta do trabalho dela. Ela vai tirar uma onda com esse lance de
cantora. Não para ficar famosa. Ela vai aproveitar para comprar a casa
dela, a casa que ela tanto sonha, mas não vai abandonar a carreira de
doméstica não. Ela vai aproveitar e tira uma onda.
CTO – O que achou do Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil? Trabalhadoras domésticas que se tornaram atrizes e alinharam as duas funções em prol da luta da classe das domésticas?
TA – Primeiro eu fiquei morrendo
de pena ao saber que o Grupo está sem patrocínio. São mulheres tão
fortes, mulheres com uma riqueza tão grande. Elas têm uma alegria imensa
e transformam tudo isso em arte. Isso é fantástico. É preciso fazer
algo para ajudá-las.
CTO
– Ainda sobre a novela, inicialmente a trama teria o título de Três
Marias e depois Marias do Lar. Acha que a mudança para Cheias de Charme
dará mais foco na atividade artística das três Marias e não no trabalho
doméstico?
Não,
não é por isso. Primeiro eu vou contar uma história engraçada. A gente
foi gravar uma cena na comunidade. Aí, chegou uma figurante toda bem
vestida, toda maquiada, toda , toda. O pessoal da direção falou “minha
filha, nós vamos gravar numa comunidade. Como você vem vestida assim?”. E
a moça respondeu: “Eu sinto muito, mas é que eu sou cheia de charme”. A
direção voltou para ela e disse “as pessoas que moram aqui também são
cheias de charme. O charme delas é da forma que elas se vestem”. Então a
novela vai falar disso: mulheres brasileiras que são cheias de charme e
que a sociedade precisa olhar mais para elas. E isso que a novela vai
mostrar.
CTO – Já conhecia o Teatro do Oprimido? O que achou da metodologia teatral desenvolvida por Augusto Boal em que oprimidos, oprimidas, negros, brancos, homossexuais, trabalhadoras domésticas, etc., podem falar de suas questões entrando em cena?
TA-
Já conhecia sim e acho a coisa mais linda que o Boal fez. Ele deixou
uma coisa maravilhosa para a gente. O legal do Teatro do Oprimido e dar
voz as pessoas, jogar luz sobre as pessoas. Como faço para conhecer
mais? Como é a formação?
*Entrevista com Maria Izabel Lourenço
CTO – Quais são as maiores injustiças, as maiores opressões sofridas pelas Trabalhadoras Domésticas?
Maria
Izabel – A carga horária que quase nunca é respeita. O assédio moral.
Muitas vezes, assim como eu, uma trabalhadora doméstica quer crescer na
vida, quer estudar e fica escutando piadinhas. Fica sendo desmerecida,
como se ela não fosse capaz ou não tivesse o direito de crescer na vida.
CTO – Por isso decidiu ser atriz? Acredita que através do Teatro do Oprimido essas opressões podem ser transformadas?
M.I-
Podem sim porque através do Teatro do Oprimido aprendemos a lutar pelos
nossos direitos. Aprendemos a ter mais coragem para tomar decisões.
CTO
– Você atua como trabalhadora doméstica há bastante tempo. Como atriz o
trabalho é mais recente. Quais as diferenças entre uma função e outra?
M.I
– A diferença é o público. Nas nossas apresentações a gente tem o
público para ouvir, para criticar sobre o assunto, para sugerir e até
mesmo para te aplaudir. Coisa que nem sempre a gente recebe no trabalho
como doméstica.
CTO – Qual seus desejos enquanto uma atriz, ativista do Teatro do Oprimido?
M.I – Meu sonho é que todas as trabalhadoras domésticas tenham todos os seus direitos respeitados e assegurados. E que a sociedade respeite mais a nossa profissão. Também tenho um sonho de cursar uma faculdade na área social e levar mais informações para as pessoas.
CTO – O que espera da nova novela da TV Globo que abordará as trabalhadoras domésticas?
M.I
-Eu espero que eles abordem o tema com muito cuidado. Que não coloquem
só o lado bonitinho das coisas, pois as trabalhadoras domésticas são
muito oprimidas. Eu quero que mostrem a realidade. Casos de injustiças
salarial, casos de pessoas que vem de longe e são obrigadas a ficarem
num cubículo compartilhado com as compras da família porque muita vezes
nos dão a dispensa como abrigo. Eu espero mais respeito.
CTO – E que espera para o Grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil?
M.I- Eu espero que a gente conquiste todos os nossos objetivos. Que a gente se informe mais. Que o grupo se articule mais.
Fonte: CTO
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