sábado, 25 de agosto de 2012

Uma mulher superpoderosa


          

Vilã em Cobras & Lagartos e primeira negra na históriada tevê a comandar um programa de beleza, Taís Araújo deu o grito de independência ao deixar a casa dos pais e tomar as rédeas da profissão, que ficava a cargo da mãe, casou-se com Lázaro Ramos e diz que lamenta o policiamento de integrantes do Movimento Negro.


A idéia sugerida por Gente a Taís Araújo para o ensaio fotográfico que ilustra essa reportagem surpreendeu a atriz: “Queremos você como uma mulher poderosa”. Taís ouviu a sugestão e calou por alguns instantes. “Sabe o que é? As pessoas estão com a mania de achar que eu sou poderosa. Não sou isso, não. Sou uma pessoa normal.” Na frente das câmeras, não conseguiu sustentar sua tese. Gente só comprovou sua defesa na entrevista realizada no café da Livraria Argumento, no Leblon. De cara lavada, vestidinho branco e sandália rasteira, era a simplicidade em pessoa. Engraçada, irônica, sincera, revelou sua transformação em uma mulher de maiúsculas em inúmeros momentos: ao defender a privacidade do casamento com o ator Lázaro Ramos, ao enumerar os motivos que a levaram só agora, aos 27 anos, a assumir as rédeas da profissão, ao encontrar seu papel como negra na sociedade e ao aprender a rir dos defeitos que sempre a atormentaram na adolescência. Mesmo diante de tanta ausência de pretensão, não há, no entanto, como fechar os olhos diante dos fatos. Taís Araújo é, sim, uma mulher de superpoderes.

O mais latente deles ela desempenha no horário das 19h da Globo. Convence em um papel que representa o oposto de seus princípios. A Ellen de Cobras & Lagartos reúne todas as características ausentes no universo da atriz. Consciente do valor da beleza no mundo de aparências, devora sapatos e vestidos caros. “Não gasto fortunas com nada”, diz Taís, em contraposição à personagem. “Tudo que é caríssimo me dá um pouco de medo. Não sou pão-dura, mas sei o quanto ralo para conseguir meu dinheiro.” Se cai em tentação, a consciência pesa. “Quando compro algo mais caro, logo penso: ‘Ai, podia passar sem...’ Se me sinto culpada? Me sinto. Mas jamais vou perder a noção e achar que adquiri algo superbaratinho.”

Seu sucesso em Cobras & Lagartos alavanca o Ibope. Na segunda-feira 31 de julho, com Taís em cena tendo sua vilã desmascarada, a novela bateu o recorde de audiência desde a estréia em 24 de abril. Chegou a 51 pontos contra os 35 de média. Na sexta-feira 4, de novo roubou a cena num strip- tease contracenado com Henri Castelli. Triunfar em uma trama de João Emanuel Carneiro não é novidade para ela. Foi o autor o responsável por presenteá-la com a primeira protagonista negra de uma novela da Globo. A Preta de Da Cor do Pecado, exibida em 2004, criou espaço para a atriz provar outro poder: o de convencer em um papel distinto ao dos personagens dedicados a atores negros no Brasil. 

Diz João Emanuel Carneiro: “Taís é uma atriz excepcional, versátil. Em Cobras & Lagartos, tem a chance de mostrar um lado irreverente e cômico. O único personagem que escrevi nesta novela pensando numa atriz foi o dela. Achei engraçado colocá-la para interpretar este papel de vilã interesseira, chula e vil depois de ter vivido a Preta, de Da Cor do Pecado, que era pura, desinteressada e apaixonada”.

Outro superpoder da artista tem sido exibido semanalmente há cinco meses, no canal a cabo GNT. Taís se tornou a primeira negra a apresentar um programa de beleza na televisão, o Superbonita. Não precisou correr atrás do posto até então ocupado pela atriz Daniela Escobar. Foi a diretora do GNT, Letícia Muhana, quem a procurou. “Não acreditei, mas aceitei no ato”, lembra. “No dia seguinte, acordei me perguntando se realmente era verdade. Liguei para a Letícia e conferi: ‘É sério mesmo’?”

Letícia explica a escolha: “Taís tem tudo a ver com o Superbonita.
É uma profissional completa, inteligente, linda, carismática e dedicada. Além disso tudo, representa a beleza da mulher brasileira. Surpresa seria não tê-la à frente de um programa que fala justamente para esta mulher. Foi uma escolha natural, intuitiva e, por isso mesmo, tão acertada”.


O poder de imprimir sua marca pessoal na história da televisão brasileira acompanha Taís há uma década. Coube a ela a personificação de Xica da Silva, a personagem histórica, inserida no contexto da escravidão, que a extinta TV Manchete levou ao ar com todo o alarde. Na época, com 17 anos, Taís ainda não tinha estrutura para suportar tanto barulho. Viu-se exposta, sobretudo pela imposição do diretor Walter Avancini em exibi-la em cenas de nudez. O País fez contagem regressiva pela maioridade da atriz. “Quando lia que a chamada das matérias era a expectativa pelos meus 18 anos para todo mundo me ver pelada, pensava: ‘Estou aqui para aparecer pelada?”. Chorava por me sentir usada e não pelo nu propriamente dito. Você não pode reduzir uma personagem como Xica da Silva a um simples apelo como esse.”

A propriedade com que emposta a voz no discurso em prol da heroína traz embutida a consciência sobre a raça negra. Ela sabe da importância do seu papel – e o exerce selecionando os personagens que interpreta. “Minha participação na causa negra é o meu trabalho. Esse é o meu movimento”, observa. Lamenta o excesso de críticas dos integrantes do Movimento Negro. “Se você faz um personagem mau-caráter, falam que estamos mostrando que todo negro é mau-caráter. Se você apresenta o Superbonita, reclamam que o programa é fútil. Ah, pára! É um policiamento o tempo todo”! Desde pequena, tem clareza sobre o papel do negro na sociedade – tema sempre estimulado em casa e na escola. Durante muito tempo foi a única aluna negra do Angloamericano, colégio particular da Barra da Tijuca. “Nem era a aluna mais genial, mas me colocavam para carregar a bandeira da escola como se eu fosse”, conta. “Se minha auto-estima é bem trabalhada, devo muito ao colégio.” Ao pai, Ademir,
e à mãe, Mercedes, também. “Passei a vida ouvindo que eu era bonita e inteligente.”


Mercedes descreve o cuidado com a filha: “Sempre fiz tudo para que ela não se sentisse diferente. Dizia que não deveria se ofender quando a chamassem de negra, que deveria ter orgulho disso, que tinha a beleza dela. Deu tanto resultado que, uma vez, quis alisar seu cabelo e ela não deixou. Taís mantém esse alicerce até hoje. Quando quis ser atriz, considerei algo quase impossível. Ela conseguiu”.

O esforço de Mercedes compensou. Taís é hoje uma mulher que aprendeu a conviver sem conflitos com suas imperfeições – e o que é melhor: ironiza cada uma delas. “Tem dias que me acho linda, mas em outros me acho uma baranga”, diverte-se. “Eu inha milhões de problemas. Achava que tinha uma bunda enorme, um quadril gigante... Mas agora está tudo certo. É o que temos para o momento”, sorri. A auto-confiança levou-a a dois importantes gritos de independência. Comprou apartamento no Leblon, deixou a casa dos pais e assumiu as rédeas da profissão, concedendo à mãe, como ela define, “a carta de alforria”. “Hoje minha mãe não cuida mais da minha carreira. Tem o papel exclusivo de minha mãe”, diz. “Ela passou muito tempo comigo. Precisava ter a vida e os objetivos dela. Chegou um momento em que pensei: ‘Será que quero que minha mãe fique o tempo inteiro comigo? Será que ela quer? Vamos separar para ver o que dá’. Deu supercerto.”

Afortunado também vem se mostrando seu casamento de nove meses com Lázaro Ramos. Aos 19 anos, quando vislumbrava uma vida a dois, Taís se via entrando na igreja de véu e grinalda e logo formando família com três filhos. Hoje, sua idéia de relacionamento e maternidade é outra. Casou informalmente com o ator sem divulgar a festa, não assinou nenhum papel e não se imagina mãe tão cedo. “Quando a gente é mais nova, romantiza muito. Claro, um dia vou querer ter filhos, mas hoje a maternidade não desperta em mim a menor curiosidade. Não me enxergo mãe agora.” Uma das prioridades da relação está em mantê-la à margem do público. “Meu casamento é a coisa mais importante da minha vida e não da vida dos outros”, pensa. “Já lido com fantasia o tempo inteiro na profissão. Não posso permitir que minha vida se torne uma fantasia também. Da porta para dentro de casa, minha vida é minha e do meu marido.”

Lázaro Ramos partilha do mesmo princípio: “Esse cuidado com a privacidade é uma característica comum entre a gente. Não é nada forçado, mas uma herança que trouxemos da nossa criação. Aprendemos desde crianças que assuntos de dentro de casa ficam dentro de casa. Sempre tive a curiosidade de trabalhar com a Taís e a maior novidade para mim nesta novela em relação a ela foi perceber seu domínio sobre o universo cômico. São poucas as atrizes capazes de fazer uma comédia de forma tão humana”.

No visor do celular, Taís confere o relógio. Dá a última garfada no bolo de aipim e faz sinal para a garçonete. “Vamos comer um waffle de chocolate?”, convida. Resolve checar se o marido está em casa antes de concretizar a escolha. Certifica-se que sim e suspende o pedido. Com um jantar à sua espera, acena e desaparece em meio às prateleiras da Livraria da Travessa – mais uma suave demonstração de que um dos seus maiores poderes está na simplicidade de saber (e gostar) de passar despercebida


Fonte: Istoégente

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